sexta-feira, 21 de março de 2008

Mais que contador

Nova legislação brasileira muda perfil do profissional contábil e valoriza quem conhece as normas internacionais

Por GABRIEL PENNA

Emerson Juncom, 34 anos, controller da 3Com: ele recebeu 20 convites antes de mudar de emprego, com 40% de aumento
Não é só o balanço anual que está movimentando os departamentos de contabilidade e finanças das empresas brasileiras neste início de ano. Em janeiro entrou em vigor no país a nova lei das S.As., aprovada pelo Congresso Nacional no fi nal do ano passado, após sete anos de tramitação. A legislação, considerada um divisor de águas na atividade contábil, foi criada com o objetivo de alinhar as normas brasileiras aos padrões internacionais. Os prazos de adaptação vão até 2010. As companhias irão alterar a maneira como fazem seus balanços e calculam seu patrimônio. “A idéia é dar às empresas mais transparência e capacidade de atrair investidores”, diz Luciana Onusic, coordenadora do curso de ciências contábeis da Trevisan Escola de Negócios, de São Paulo.
As novas regras afetarão não só a rotina, mas também a formação profissional e a carreira de contadores, auditores, controllers e executivos da área fi nanceira. Segundo dados da Robert Half, consultoria de recrutamento de executivos, em São Paulo, de cada dez vagas abertas este ano pelos seus clientes para contabilidade, controladoria ou fi nanças três tinham como pré-requisito conhecimentos de legislação internacional — o triplo do que em 2007. “Essa deve ser a pedida do ano, aquela que todo mundo quer e ninguém encontra”, diz Fernando Mantovani, gerente da Robert Half. Tanto que o salário de executivos na área subiu 25% desde janeiro.
A oferta para um controller com cinco anos de experiência hoje gira em torno dos 10 000 reais, mas pode chegar a 17 000 reais, dependendo do porte, setor e urgência da empresa. O paulistano Emerson Luís Juncom, de 34 anos, já se benefi ciou do clima de leilão que se instalou na área. “Estou familiarizado com a lei desde os tempos de auditoria”, diz. “Nos últimos seis meses, recebi mais de 20 convites para trocar de emprego.” Com dez anos de experiência em uma grande fi rma de auditoria, ele trocou em janeiro a Oracle, de software, por outra americana de tecnologia, a 3Com. Emerson assumiu o cargo de controller para a América Latina, com um salário 40% maior e um bônus anual de 32 000 reais.
As firmas de auditoria, formadoras de talentos na área contábil, têm sido uma das fontes dos headhunters. A Ernst & Young, uma das maiores do mundo, perdeu dois executivos desde o fi nal de 2007. Ao mesmo tempo, a empresa está se preparando para capacitar 2 000 funcionários em todo o Brasil neste semestre, pois também busca gente na área para atender seus clientes. A Deloitte, outra grande do setor, espera um aumento do assédio a seus profi ssionais no segundo semestre. Essas companhias têm executivos com experiência em relatórios contábeis internacionais e práticas de governança corporativa.
Esses são conhecimentos que a maioria dos profissionais adquiriu no trabalho, já que normas internacionais de contabilidade não constam do currículo das faculdades do país. Outro diferencial da turma das consultorias é o domínio da língua inglesa e a constante atualização. Aliás, manterse atento ao que vem por aí será uma forte exigência para os profi ssionais, já que a nova lei ainda precisa de várias regulamentações, que serão editadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ao longo deste ano.

Evolução estratégica
Uma das principais alterações da nova lei contábil é a forma de cálculo do patrimônio das companhias. Os balanços terão de incluir os bens intangíveis, como marca e localização de um imóvel. E os ativos das companhias serão contabilizados não mais pelo valor pago na época da aquisição, mas pelo preço de mercado. As empresas de capital aberto ainda terão de expor a divisão das riquezas produzidas por elas. Já as de capital fechado de grande porte (com faturamento anual acima de 300 milhões de reais) farão balanços semelhantes aos das companhias listadas na bolsa e terão de contratar auditorias externas. Esse é o caso da fabricante de bicicletas Caloi, com sede em São Paulo. “Vamos ter que treinar todo o nosso pessoal e, se tivermos que contratar, exigiremos conhecimento da nova lei”, diz João Gilberto Debaco, de 48 anos, gerente de contabilidade e controladoria da empresa. “O contador não vai mais apenas registrar os números, mas também interpretá- los. É a evolução do profissional para uma posição mais estratégica na empresa.”

Reportagem da Revista Você S.A.

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